Search
Close this search box.

Atrás dos olhos

Atrás dos olhos

Quando meu pai, o rico empresário Pablo Corlan, acionista majoritário da “Imperium”, grande empresa de publicidade, recebeu a carta de um sequestrador, exigindo um resgate de quinhentos mil dólares, como pagamento pela minha libertação, naquela manhã cinzenta e chuvosa do inverno de 79, seus olhos lacrimejaram, como se fosse a primeira vez que uma lágrima escorresse pelo seu rosto.

Eu, filho único, de apenas doze anos, mas não tão amado quanto o esperado, tendo os negócios e a ganância como maiores rivais, agora nas mãos de pessoas perigosas e que exigiam uma quantia insignificante para meu pai. Causava-lhe uma dor imensa imaginar perder o filho prodigioso, três anos adiantado na escola, com uma capacidade incrível com a matemática e invenções dos mais diversos gêneros.

Tudo isso aconteceu onze meses depois do brutal assassinato de minha mãe, o que acabou me deixando ainda mais carente e sozinho no mundo. Renegado ao segundo plano pelo meu pai, restava-me os estudos e minhas invenções.

Após ler a carta, que assim dizia, em letras recortadas de jornal:

Seu filho está em nosso poder. Se quiser o menino de volta, ponha quinhentos mil dólares numa mala preta e deixe atrás da banca de jornal da estação de trem, às 10h. Pegue o trem das onze. Se envolver a polícia nisso, o menino morre.

Meu pai ligou para um velho amigo, Dorisgleison Silva, ex-investigador da polícia, um homem na casa dos cinquenta anos, que acabou sua vida por conta da bebida, e carrega consigo a culpa de um crime do passado.

Assim que Dorisgleison chegou ao escritório, meu pai falou sem rodeios.

– P. C. Junior foi sequestrado. Recebi uma carta pedindo o resgate esta manhã e quero que faça a entrega.

O ex-investigador arqueou uma das sobrancelhas e sugeriu com a voz carregada, maltratada pela vida boêmia.

– Quer que eu avise os tiras?

– Nem pensar. – Atravessou, arreando os braços na mesa. – Se meter a polícia nisso, eles o matam.

Dorisgleison consentiu e combinou de pegar o dinheiro na manhã seguinte.

Dois meses antes do sequestro, passeando pela estação de trem, uma senhora, com mais ou menos quarenta anos, e sotaque latino, Fátima Zoraide, jamais vou esquecer esse nome, abordou-me em frente a uma banca de jornal. Insinuou.

– Que olhar triste, jovenzinho, parece que carrega uma grande tristeza dentro de si.

Consenti com um leve balançar de cabeça e segui andando, ao que ela me chamou.

– Venha cá.

Olhei desconfiado e ela murmurou.

– Não tenha medo. Quero lhe contar um segredo. Você tem um segredo? – perguntou, em tom enigmático. – Tem, eu sei que tem, todos temos um segredo bem guardado. Eu vejo as coisas, vejo a barbaridade que foi feita com sua mãe, e enquanto não exorcizar esses fantasmas e fazer com que os culpados paguem pelo que fizeram, nunca vai ter paz.

Aproximei-me devagar e, ao ouvir o relato daquela dona da banca de revistas, que comia um bombom atrás do outro, como se fosse uma aluna do jardim de infância, corri para casa chorando, desnorteado. Ao chegar, fui direto ao quarto do meu pai. Era uma tarde de céu nublado, com uma grande ameaça de chuva. Sabia que ele só retornaria a noite e, então, revirei todos os seus pertencer. Foi quando encontrei umas cartas, assinadas pelo investigador Dorisgleisson, informando ao meu pai a finalização do serviço e umas fotos, fotos que, por mais que passem cem anos, nunca irei esquecer. Minha mãe, morta, com dois tiros cravados no peito.

O mundo desabou na minha cabeça naquele instante. Peguei tudo e guardei comigo, deixando o quarto como se nunca tivesse entrado nele.

Nunca mais fui o mesmo com meu pai, talvez ele nem percebesse, nunca senti uma manifestação de amor da sua parte, a não ser aquela lágrima que escorreu do seu rosto quando recebeu a notícia do sequestro. Para ele, eu continuava sendo a mesma pessoa.

Na manhã do pagamento, Dorisgleisson pegou a mala e seguiu para estação. Lá chegando, a pôs no local combinado, e quando ia afastando-se, Fátima Zoraide o chamou.

– Aproxime-se, meu bom homem, deixe-me ler a sua sorte.

O investigador tentou retrucar.

– Não acredito nessas coisas.

Mas os fartos seios de Fátima lhe hipnotizaram e ele acabou deixando que lesse sua mão. Após distrair Dorisgleisson, ela lhe entregou um bilhete. Ele o abriu e leu.

Mudança de planos. Pegue a maleta de volta e venha para minha casa.

Assinado: Pablo Corlan.

Dorisgleisson reagiu indignado.

– Droga!

Quando foi retirar a mala de trás da banca, foi surpreendido por policiais, que lhe renderam e lhe deram voz de prisão, acusando-o de sequestro e assassinato. Ele ainda tentou argumentar, mas dentro da mala, as provas eram incontestáveis, as fotos, os bilhetes… Dorisgleisson foi levado para a delegacia e meu pai, em seguida, também recebeu a visita da polícia.

Foi fácil trocar a mala com o dinheiro pela que estava com as provas do crime, enquanto Fátima Zoraide distraía o velho policial. Antes, já tinha feito as devidas ligações para a polícia, secretamente, é claro. Dei cinco mil dólares para Fátima, pela ajuda, e fugi com quatrocentos e noventa e cinco mil dólares. À tarde, voltei pra casa. Estava “liberto” e os assassinos da minha mãe, presos.

A prisão fora demais para meu pai. Dois meses depois, ele amanheceu enforcado na cela e eu herdei toda a fortuna da “Imperium”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Vinicius Bogéa

Vinicius Bogéa

Escritor e Jornalista. Autor de 6 livros, editor do Jornal Pequeno e titular da página cultural Conexão Pop.

Drinks & Tiros

Uma homenagem ao escritor Charles Bukowski saiu da gaveta, e aqui disponibilizo os dois primeiros capítulos desta aventura com requintes de loucura

Leia mais »
Fotografia

A fotografia

Passando pela sala vazia, fitei aquela fotografia na parede, amarelada pela impaciência do tempo, emoldurando uma módica casa de muro baixo e plantas ao redor.

Leia mais »
Atrás dos olhos

Atrás dos olhos

Quando meu pai, o rico empresário Pablo Corlan, acionista majoritário da “Imperium”, grande empresa de publicidade, recebeu a carta de um sequestrador, exigindo um resgate

Leia mais »
Sem ar

Sem ar

Assim como Dante, vejo que a razão, seguindo o caminho indicado pelos sentimentos, tem asas curtas. A penitência por amar demais é um preço que

Leia mais »