Textos

"São tantas letras para escrever um livro, e um único coração para protegê-lo".

Versão ebook de Diário Oculto já está disponível

Em 2009, escrevi meu terceiro livro, intitulado Diário Oculto, obra que me rendeu o primeiro lugar no tradicional Concurso Literário Cidade de São Luís.

Uma trama de investigação policial/jornalística, que tem a cidade de São Luís como cenário para um enredo de conspiração, chantagem e assassinatos. A morte de um músico com potencial concreto desencadeia uma série de crimes, desafiando a polícia e instigando a imprensa.

Uma teia nebulosa que leva o leitor a tentar desvendar um caso intricado, em que ficção e realidade se misturam numa terrível simetria.

11 anos depois, Diário Oculto ganha a sua versão ebook, com edição revista e uma nova capa. O livro já está disponível no site da Amazon. Então, convido o leitor para tentar desvendar os mistérios da música da discórdia e seguir os passos do assassino delicado.

Drinks & Tiros

Bêbado, louco, safado… Há várias maneiras de adjetivar o escritor Charles Bukowski, aquele poeta que nasceu na Alemanha e fez sucesso nos Estados Unidos com seus romances, crônicas e poemas. Histórias sobre a vida, degradação humana, solidão e incômodas verdades que poucos ousam encarar.

Meu primeiro contato com Bukowski foi ainda na adolescência. Crônicas de Um Amor Louco me abduziu ao seu universo pitoresco, e foi responsável por tantas outras descobertas, digamos, inacreditáveis.

O tempo passou. As letras passaram a ser minhas companheiras, assim como os livros que escrevi. Então, vi que chegara a hora de homenagear esse cara, que tanto me abismou e divertiu.

“Drinks e Tiros” é Bukowski escancarado, um romance salafrário (com todo respeito) e pitadas de literatura pulp. Um clima noir que permeia a trama e nos leva diretamente ao cerne do velho safado.

Os dois primeiros capítulos, o prólogo desta aventura lisérgica, disponibilizo aqui, para ser apreciado, rasgado ou insultado. Ninguém sai impune ao universo Bukowski de ser.

 

Drinks & Tiros

 

I

            Não há nada pior do que acordar com alguém querendo derrubar a sua porta. Se isso acontecer em uma manhã de domingo, então… é de rachar até os ossos. Às vezes, é melhor ignorar, colocar o travesseiro na cabeça e tentar voltar a dormir; mas nem sempre isso é possível, se considerarmos as batidas na porta acompanhadas dos insistentes apelos agudos.

            — Senhor Marone, abra a porta, por favor!

            Merda!

            Olhei para aquele velho despertador sobre o criado-mudo, e ele ainda não tinha marcado nem nove horas. O mau humor me saudou. Sentei-me na cama, articulei o pescoço e estiquei os braços. Tudo doía. Ao meu lado, a garrafa de uísque ainda me espreitava. Apenas lhe direcionei um aceno cortês. Não quis tocá-la.

            A porta voltou a ser esmurrada.

            — Já vai, droga!

            Fui até à cozinha, e, na geladeira, não tinha nada além de água, cerveja e algumas fatias de queijo. Peguei uma cerveja.

            — Senhor Marone! — o grito era cada vez mais estridente.

            — JÁ VAI! — berrei, e tomei uma golada.

            Encostei-me rente à porta. — eu sempre encosto rente à porta, porque, invariavelmente, tem alguém do outro lado querendo me chumbar —, e perguntei.

            — Quem é que quer tirar a mãe da fogueira?

            — É a Rita, senhor Marone, preciso falar um segundo com o senhor. É Uuma emergência.

            — Não me chame de senhor.

            — Tudo bem.

            — Do que se trata?

            — Poderia abrir a porta?

            — Está sozinha?

            — Sim.

            — Espere um instante.

            Fui até o armário, troquei a cueca, coloquei a antiga calça desbotada e a velha camisa branca. Abri a gaveta e conferi o pente da pistola. Estava carregada. Coloquei na cintura.

            Ainda quis dar uma conferida no visual, mas deixei para depois.

            Abri a porta sutilmente, e vi, através da corrente de segurança, a mulher de olhos castanhos, rosto fino, lábios idem, cabelos de cobre e sobrancelha delineada aguardar ansiosamente. Ela parecia realmente aflita.

            — Quem está aí com você?

            — Já disse que estou só?

            — Tem certeza?

            Ela bufou.

            Eu acreditei.

            — Entre. — abri a porta, e fechei imediatamente, checando o corredor.

            Percebi que ela passou o raio-x pelo apartamento. Não deve ter gostado do que viu. As cadeiras estavam espalhadas pela sala, como os bares, após alguma briga, e tinha roupa espargida pelo chão. O quadro dos Beatles estava penso — aquele mesmo da faixa de pedestre — e o cheiro de nicotina rebatia nas paredes.

            — Sente-se. — puxei uma cadeira.

            Ela relutou.

            — Obrigada.

            — Em que posso lhe ajudar mesmo, dona…

            — Rita Balboa.

            Arqueei a sobrancelha?

            — Balboa? Como o boxeador?

            — Sim.

            Eu ri.

            — Gostei.

            — Minha filha sumiu. — ela disse, temerosa.

            Resolvi sentar a seu lado, puxando o John Player do bolso.

            — Se incomoda?

            Ela deu de ombros.

            Acendi.

            — Quem lhe deu meu endereço?

            — Foi a Loura.

            Tinha que ser

            — É uma boa amiga. — falei. — Faz tempo que não a vejo. — traguei, enquanto ela espaçou a fumaça.

            — Disse que o senhor é o melhor investigador dessa cidade.

            — Bondade dela.

            — Por favor, senhor Marone…

            — Pareço tão velho assim? — quis saber.

            Surpreendi-a me analisando e deve ter se questionado qual seria a minha idade. Deve ter pensado em uns cinquenta, cinquenta e cinco, mas podia considerar quarenta e poucos. Não faria diferença.

            — É apenas o costume. — refez-se. — Pode me ajudar?

            — Sabe, dona, ando meio afastado das minhas funções, ultimamente. Essa vida de correr atrás de bandido, traficante, gente desaparecida, isso cansa pra valer. — cruzei as pernas e depositei as cinzas num copo com água.

            — Eu pago bem. — ela contrapôs.

            Dei um gole na cerveja.

            — A Loura disse que estou de licença da Polícia?

            — Sim. Por isso, achei que deva estar com tempo para investigar.

            — Já deu queixa do desaparecimento?

            — Sim, mas disseram que precisam esperar 48 horas para ser declarada desaparecida. — afligiu-se

            — Isso é verdade. — confirmei, e tossi. — E quando ela sumiu?

            — Ontem.

            Ponderei.

            — Ainda é muito cedo. Qual é a idade dela?

            — Vinte anos.

            Não suportei.

            — Dona Balboa, francamente. — cruzei os braços. — Desculpe lhe dizer isso, mas sua filha sumiu num sábado à noite, e ainda é domingo de manhã — apontei para o relógio na parede — É claro que deve estar dormindo de conchinha com algum namoradinho.

            Ela explodiu.

            — Não esperava que fosse tão cretino.

            — É apenas a realidade dos fatos.

            — Eu conheço a minha filha, e, mesmo que ela estivesse dormindo com o namorado, ela teria me dito que passaria a noite na casa de alguma amiga, como costuma fazer.

            Assenti, irresoluto.

            Esses jovens

            — Qual foi a última vez que a viu?

            — Ontem à tarde. Ela estava de calça jeans, camiseta azul e casaco branco. — abriu a bolsa. — É uma foto recente.

            Peguei.

            Era parecida com a mãe, mas tinha os cabelos dourados e a pele rosada. Guardei no bolso.

            — Vou dar uma checada por aí. — disse. — Preciso de um adiantamento para os custos. — traguei para o alto e dei outra golada venenosa.

            — Quanto?

            — Qualquer duzentas pratas resolve.

            Puxou a carteira Louis Vitton.

            — Tome.

            Notas novas, saídas do forno.

            — Deixe seu número. Entrarei em contato.

            — Por favor, senhor…

            A censurei com o olhar.

            — Desculpe. Marone, por favor, encontre a minha filha. Estou com um péssimo pressentimento.

            Ela estava mesmo receosa.

            — Pode deixar.

            Ela se levantou, ajeitando a saia florida. Eu conferi o material, e gostei do que vi. Sua panturrilha deveria suportar uma bela mordida e os quadris poderiam tolerar o meu peso tranquilamente.

            — Esta é uma lista de alguns amigos dela. — passou o papel. — Encontre minha menina. — deu as costas.

            Chamei.

            — Dona Balboa.

            Ela girou nos calcanhares.

            — Como ela se chama?

            — Carmen.

            Sumiu pelo corredor.

            Deitei no sofá. Peguei um bloco sobre a mesa e anotei tudo que a mulher havia falado. Eu sempre anoto. Fiquei ali deitado, pensativo. É dura a vida de um homem solitário. Nem parecia, mas lá se foram cinco anos que nos separamos. A Tânia cansou de viver em função de alguém; decidiu cuidar da própria vida, e só depois de muito tempo que fui perceber o quanto ela me fazia falta.

            Alguém precisava lavar as louças, arrumar a casa, trocar os lençóis, tirar o lixo da cozinha e fazer a comida. Droga! Tudo isso é complexo demais para a minha natureza. Eu precisava da Tânia. Mas decidi não pensar muito nisso naquele dia; era domingo, e ainda tinha cerveja na geladeira.

 

II

            Por volta do meio dia, tomei um banho gelado. O espelho não era generoso comigo. Precisava fazer a barba, os pelos ordinários já espetavam minha cara amassada, e certas olheiras nunca me abandonavam. Vesti as roupas de sempre; calça de linho, camisa de botão, quase sempre bege ou qualquer cor clara, e apertei o cinto. A pistola esquentou minha cintura. Eu não ando sem ela. Muitos até me chamam de paranoico, mas foi essa paranoia que manteve vivo até hoje. Eu prefiro ser assim.

            Fui pegar minhas chaves na prateleira, mas encontrei apenas o chaveiro do Pierre; sei que aquele era o chaveiro dele porque a Torre Eiffel estava enferrujada. Lá se foram dez anos desde que retornou de uma viagem à França. Só não consegui entender o motivo de aquele chaveiro estar na minha casa. Fazia quase uma semana que não via aquele policial de merda.

            Peguei as chaves e fui embora. Eu morava no térreo, sempre preferi morar nos andares inferiores. Não queria correr o risco de ter que me jogar de um quarto ou quinto andar, em qualquer eventualidade, se é que você me entende.

            Na rua, logo avistei o carro de Pierre, mas não vi o meu.

            Mas que raios!

            O Meriva prateado estava imundo. Parecia ter saído da lama ao caos. Resolvi ligar para Pierre, mas o celular estava fora de área. Aquilo me pareceu meio sugestivo. Alguém me cumprimentou. Ignorei. Não gosto de falar com as pessoas.

            Entrei no carro e segui até o Plataforma. Precisava forrar o estômago. Pensar de barriga vazia é prejudicial à saúde. Entrei fumando. O Lourenço não se importava. Era nordestino, assim como eu, que fugiu da seca para ganhar a vida na cidade grande. Qual? Qualquer uma. São todas iguais. Têm ricos e pobres, marginais, traficantes, políticos, golpistas, bêbados e prostitutas. Bobagem se importunar. O mundo é um só.

            Sentei no balcão. O cheiro de fritura invadiu minhas narinas. Eu gosto muito.

            — O que vai ser? — Selminha quis saber, mastigando seu chiclete inseparável.

            — Bife, com bastante cebola e molho. — disse, fitando sua panturrilha. Sou louco por panturrilha. — E pode colocar uma dose desse Balantines aí na prateleira, enquanto isso.

            Colocou o gelo no copo, e eu a adverti.

            — Você não aprende mesmo.

            Ela me desferiu um leve olhar de desprezo.

            — Sabe quanto tempo esse cara levou para extrair toda a água desse uísque?

            — Quem se importa?

            — Doze anos. E você vem querer avacalhar o serviço, pondo gelo na porra da bebida.

            — Não enche, Marone. — jogou o gelo de volta e serviu-me a bebida pura.

            — Assim está melhor.

            — Babaca. — murmurou.

            — Eu ouvi isso.

            Eu gostava da Selminha. Além de bem afeiçoada, panturrilha generosa, bumbum empinado e lábios atraentes, era uma garota esforçada. Trabalhava como garçonete, durante o dia, para pagar a faculdade de enfermagem. Sua autenticidade me encantava, acima de tudo. Adorava quando ela me chamava de cretino.

            — Tudo em ordem, Marone? — Lourenço perguntou, sentado junto ao caixa, de onde não se ausentava nem para ir ao banheiro.

            Levantei o copo.

            Enquanto aguardava o almoço, resolvi adiantar o serviço da senhora Balboa — que nome legal ela tinha. Peguei a lista de números que ela havia me passado e disquei para o Maurício.

            Alô

            — Maurício, onde está a Carmem?

            E quem quer saber?

            — Não banque o espertinho comigo, rapaz. Sei que foram vistos ontem à noite, saindo da Tajmahal.

            Está louco, seu babaca. Há mais de duas semanas que não piso ali, e quase três dias que não encontro com a Carmem.

            — Não foi isso que a mãe dela me disse

            E você, quem é? O pai dela.

            — Ela ainda está dormindo aí?

            Vá à merda!

            Bateu o telefone.

            Moleque.

            Senti um perfume de hortelã se aproximar e uma figura conhecida se acomodar ao meu lado.

            — Ei, Marone, como vai?

            Era a loura.

             — Vou indo, e você?

             — Também. — acenou para Selminha.

             — O que vai ser? — ela sempre pergunta “o que vai ser”.

             — Gim Tônica.

             Bebida de mulher.

             — Essa vida de policial anda me cansando. — rezingou. — Nada muda, nem o salário.

             — E só agora percebeu isso? — acendi outro John Player.

             Deu de ombros.

             Selminha a serviu. Ela estava demais naquele dia. Aposto como usava aquela micro-saia apenas para me deixar louco.

            — Uma tal de Rita Balboa quase bota minha porta embaixo, hoje pela manhã.

            — Sei.

            — Foi você quem falou sobre mim?

            — Foi. — bebeu.

            — Qual é a história dela?

            A loura parecia enfadada.

            — É uma velha amiga de escola. Casou com um ricaço que parece mais interessado no gerente do banco do que trepar com ela. Anda tendo uns problemas com a filha.

           — Soube que ela sumiu.

           — Pois é, mas não duvido que esteja se divertindo com algum namoradinho por aí

           — Foi o que eu disse a ela.

           — E ela não meteu a mão na sua cara?

           — Andou perto disso.

           — Vai investigar?

           — Não estou fazendo nada mesmo. Uma grana extra é sempre bem-vinda.

           Selminha trouxe meu bife.

           Loura fez uma cara de nojo.

           — Tem galinha cozida? — quis saber.

          A garçonete assentiu.

          — Quero uma, com bastante sangue.

          — Isso é nojento. — eu disse.

         Enquanto comia, falei para Loura sobre as chaves que tinham ido parar na minha casa. Ela conhecia bem o Pierre, sabia que ele era porra louca o bastante para perder o seu carro por ai, mas, também, tinha a perfeita ciência sobre meus porres, e não excluiu a possibilidade de termos trocado de automóvel, inconscientemente. Resolvi não duvidar.

         Depois do almoço, ainda tomei mais duas doses de uísque. Eu tinha um monte de trabalho pendente, meus cigarros estavam no fim, alguém tinha que limpar o apartamento, precisava reaver meu carro, pegar minha pasta com meus documentos, visitar Dr. Alba, para ter notícias do Carlos, e ainda tinha que encontrar a droga da menina desaparecida. Eu não sabia por onde começar, mas a Loura achou pouco.

         — Um cara que conheço está desconfiado que a mulher anda de sem-vergonhice.

         — Essa é boa.

         — Além de estar sendo corneado, ele acha que a safada quer ficar com sua grana.

         — Bem básico isso.

         — Perguntou se eu conhecia algum detetive, ou alguém bem discreto e de confiança, para desmascarar a vadia.

         — E você, logicamente, pensou em mim.

         — Em quem mais poderia pensar? — elevou o copo.

         — Quanto o corno vai pagar?

         — Disse que ia sair caro.

         — Ótimo.

         — Ele topou. Só falta você.

         Ainda quis ignorar, mas se tinha libertinagem pelo meio, eu não poderia resistir. Queria conhecer a puta e saber qual era a jogada. Tinha grana pelo meio, e, de repente, podia sobrar alguma parte pra mim. Ou você é capaz de duvidar que eu não poderia jogar nos dois times?

         A loura me passou o contato do sujeito. Ela iria ganhar uma bela comissão, lógico, como sempre acontece quando me arranja serviço. Mas eu decidi ligar para ele somente na segunda-feira. Era domingo, eu ainda queria sair por aí, beber um pouco mais e descobrir com quem que a filha da senhora Balboa andava fodendo.

        Fui embora do Plataforma. Loura ficou comendo uma galinha sem graça e tomando Gim Tônica. Mas eu gostava dela. Era uma boa amiga. Somente um detalhe: A Loura é morena.

Vinícius Bogéa lança drama familiar com tramas paralelas

O autor Vinícius Bogéa lança “Solidão de Aço”, livro sobre o drama de uma família que perde tudo em um incêndio. A partir da história principal, diversas outras tramas paralelas ganham espaço, e todos os personagens têm suas vidas cruzadas por um fato em comum: uma série de fatalidades. Em “Solidão de Aço”, Vinícius, jornalista e natural do Maranhão, traz várias narrativas dentro de apenas uma.

Em entrevista ao Blog Autografia, o autor conta mais sobre sua trajetória na literatura: “Comecei com alguns contos, passando por crônicas, que eram publicadas no jornal, e então veio o primeiro livro, ‘Roubando Sonhos’, em 2006. Em 2008, parti para a segunda publicação, e foi uma experiência gratificante, porque fui um dos vencedores do concurso literário Plano Editorial SECMA daquele ano com a novela ‘Céu de Ilusões – Sobre Crimes e Artes’. O prêmio foi um impulso, que me levou a escrever ‘Diário Oculto’, um romance com ares autobiográficos (por se passar no coração de uma redação de jornal). Foi vencedor do concurso literário Cidade de São Luís, em 2009”. Vinícius também é autor de “Belo Maldito” (2014) e “Vendeta” (2018).

No começo de sua carreira, as tramas policiais eram as histórias principais contadas por Vinícius. Atualmente, o autor investe mais em narrativas emocionantes e dramáticas:

“O drama é exatamente o universo que ronda ‘Solidão de Aço’. A obra é sobre pessoas, seus dilemas, suas escolhas. Um livro que nos faz pensar em como uma decisão (certa ou errada) pode definir os rumos de nossa vida para sempre. É sobre mentiras, verdades, culpa e redenção”, conta ele.  

A inspiração para o autor escrever a obra veio das suas próprias vivências e do dia a dia: “O livro nasceu da vontade de criar um universo acrimonioso, duro, mas que deixasse uma pontada de esperança no ar, como uma névoa que cobre o amanhecer. Tive a ideia central do drama de uma família que perdeu tudo em um incêndio. A partir daí, veio o desenvolvimento para as tramas paralelas, que criam uma teia de fatos para cruzar as vidas dos personagens por conta de uma fatalidade”, explica Vinícius.

A autor compartilha também a sensação de publicar mais uma obra e suas expectativas com “Solidão de Aço”:

“Estou ansioso, porque é um livro que quero muito que as pessoas leiam, e se emocionem como eu me emocionei. Espero que seja bem divulgado, bastante lido e que emocione de verdade. Leiam e decidam se o perdão vale à pena. Um dia conversaremos a respeito”, finaliza.

“Solidão de Aço” estará à venda em breve em nossa loja online. Siga nossas redes sociais e fique por dentro das novidades.

Fotografia

A fotografia

Passando pela sala vazia, fitei aquela fotografia na parede, amarelada pela impaciência do tempo, emoldurando uma módica casa de muro baixo e plantas ao redor. Uma garotinha de vestido de bolinhas, sorriso de esguelha e olhar de quem nunca exigiu muito da vida, sentada num banco de cimento, chamou minha atenção. Tirei o retrato da parede, fechei os olhos e vaguei nas lembranças que me remetiam a um passado longínquo, a uma época em que meus sonhos poderiam ser realizados a cada amanhecer.

Caminhei em direção à garotinha, e, à medida que me aproximava, ela se distanciava.

Ameacei chamá-la, mas uma voz ressoou no infinito.

– Tomás!

Dei uma olhadela por cima do ombro. Ninguém. Voltei-me para a garota e seu olhar cruzou com o meu, e pude reconhecê-la. Então, a chamei.

– Íris.

Ela ignorou, e só pude vê-la entrando na casa, deixando um último vulto dos seus cabelos para trás. Aproximei-me e, mais uma vez, aquela voz se pronunciou, em tom mais elevado.

– Tomás!

Girei nos calcanhares, e não avistei ninguém, apenas uma praça. Caminhei por aquela rua estreita e, enfim, pude perceber que era a praça da minha Nova São Luís, a cidade da minha infância. Percorri as ruas asfaltadas, com poeira se espalhando pelos meus pés, e causou-me estranheza a largura da rua, o tamanho da praça. Era como se tudo tivesse diminuído. O palanque estava depredado. Como brinquei naquele local; subindo, descendo, correndo por aquela, hoje minúscula, praça da Nova São Luís.

Lembrei-me de Íris, dos seus cabelos soltos ao vento, enquanto ela corria entre os garotos, brejeira e livre. Seus olhos negros e expressivos transpareciam a eterna inocência de um virtuosismo inabalável, que, nem Aquiles, nem a miséria dos penosos tempos conseguiram deteriorar.

Como o tempo passou, como aquela época já fez tanto sentido. Segui mais um pouco, virei o canto da praça e tomei a direção da produção de ciprestes, enfileirados e harmoniosos. Logo, as lembranças daquela tarde chuvosa, em que Aquiles me surpreendeu com Íris, na singeleza dos seus quinze anos, me atormentaram. A surra, os pedidos de perdão da filha, minhas vãs tentativas de tirar o cinto das mãos frenéticas e olhar odioso de Aquiles me perseguiram por muitos anos.

Depois daquela tarde, que vi Íris ser arrastada pelos cabelos, pela nossa praça, que nem em mil anos merecia presenciar tal brutalidade, pouco a vi. Aquiles a prendia em casa, ia deixá-la e buscá-la na escola, sempre com o ar de carrasco estampado em sua carranca. Eram notórias as marcas que deixava pelo corpo da filha. O castigo por aquele encontro clandestino no meio dos ciprestes perdurou, e a ameaça de Aquiles, também.

– Se chegar perto de minha filha, se pelo menos o ver olhando para ela, juro que o mato! Maldito seja o seu pai. – Ameaçou, veemente, com o cinto em riste, em uma das mãos, enquanto segurava Íris pelos cabelos com a outra.

Meu aniversário de 17 anos fora no dia seguinte àquele incidente. Nada me animava. Meu único desejo era poder estar perto dela, sentir, nem que fosse pela última vez, aquele beijo de descoberta, de insegurança e inocência. As condições da minha família não permitiam nenhuma extravagância, como bolos, balões, muito menos presentes. Mas, isso era o de menos, relacionado ao que sentia e ao que desejava. Sentei-me em um dos bancos da praça e por lá permaneci por um longo tempo. Meus olhares de espreita à casa de Íris eram incontroláveis, mas ela não aparecia, nem para escola foi naquele dia.

Já estava anoitecendo, quando resolvi voltar pra casa. Só voltei a vê-la uma semana depois, passando pela rua com o pai, como se fora um cão-de- guarda. Limitei-me a observá-la de soslaio, na esperança de uma olhadela para trás, ou ao menos um discreto sorriso. Estúpida esperança. Íris jamais ousaria desafiar Aquiles, seu corpo bem sabia o padecimento que a aguardava em caso de contrariá-lo.

A Nova São Luís não passava por uma boa fase financeira. A soja e o milho estavam em baixa. Meu pai penava para levar alguma comida para casa. Uma lata de feijão, ou de sardinha. Às vezes, alguns ovos, outras, um pedaço de carne, nos melhores dias. O mesmo podia se falar de Aquiles, que era sapateiro, e o negócio ia de mal a pior. As roupas folgadas e a diminuição de suas costas largas denunciavam sua situação, assim como a de Íris. Nas raras vezes que a via, notava sua fisionomia abatida, a bochecha rosada havia desaparecido e o cabelo desgrenhado dava claras mostras dos maus tratos que passava. Mas uma coisa nunca mudou, mesmo com todos os percalços: Aquele olhar de esperança, de vida, como me encorajava e me enchia de entusiasmo. Foi então que pensei:

– Não desisto de você, nem em mil anos.

Depois daquelas lembranças, saí do enfileirado de ciprestes e segui até o campinho de futebol, mais um que havia diminuído. Caminhava lentamente, queria recordar cada esquina, me lembrar de tudo que vivi naquela cidade. Ninguém nas ruas, só as marcas do tempo, cercas caídas, calçadas deterioradas. A grama, como era verde aquela grama da Nova São Luís, se transformou em piçarra. De repente, a voz que me perseguia voltou a chamar.

– Tomás!

Lancei um olhar para trás, para os lados, mas não havia ninguém pelos cantos. Retornei, e passei novamente pela praça. Sentei-me no velho palanque, ou o que sobrou dele, e me pus a observar, com o olhar fixo, a casa de Íris. Abaixei a cabeça e mais recordações me vieram à mente. Era uma manhã quente, quase não ventava, estava na amurada da minha casa, e avistei Íris ir pra escola, mas sem a companhia de Aquiles, estava com uma prima. Não hesitei, corri ao seu encontro. Ao me aproximar, ela ameaçou recuar, mas com um gesto, pedi para que me ouvisse. Íris consentiu, olhando pra trás, com desconfiança.

– Preciso falar com você. – Principiei, fitando seus olhos.

– Se meu pai nos ver, sabe o que vai acontecer, não sabe?

Fiz que sim com a cabeça, e insisti. A acompanhei até o colégio e, durante o caminho, rimos, conversamos, até ameaçamos alguns passos de mãos dadas, sob o olhar de desaprovação da prima, mas ignoramos a sua presença e aproveitamos o momento, que era mágico para nós. Aquela manhã fora revigorante; estar perto de Íris, mais uma vez, sentir seu calor, ouvir sua voz… Mas acabou custando caro aquele encontro, pois não mais a vi durante o resto do ano. Tempos difíceis, de saudade, angústia e inquietação. Interceptei a prima, certa vez, na rua, e soube que as surras aumentaram, depois daquela manhã, pois Aquiles acabou descobrindo e decidiu mandá-la embora, no fim daquele ano, para morar com os avós, no interior. Tal possibilidade me desesperou. Ameaça que se tornou realidade. Aquiles havia cumprido a sua promessa.

Foram quatro anos difíceis, quatro anos sem notícias, sem a imagem de Íris andando pela praça, correndo… Imaginava que poderia ter arranjado alguém, que poderia ter me esquecido, e gostaria de fazer o mesmo. Mas era como se estivesse me traindo, caso pensasse na possibilidade de esquecê-la.

Já tinha 21 anos e os hormônios despertavam pelo meu corpo. Casos, paixões passageiras me ocorreram, mas o amor por Íris era incondicional, e era para ela que queria ser o melhor que pudesse.

Não tinha a mínima noção de onde ficava o interior dos avós dela, nem possuía condições de procurá-la. Foi quando Aquiles adoeceu, acometido por um câncer no pulmão. Definhou tão rápido que conseguiu até despertar minha compaixão.

Íris retornou para Nova São Luís, depois de quatro anos, e pude vê-la uma única vez, exatamente no dia do enterro do pai. Seu avô, pai de Aquiles, era um senhor ranzinza, tal qual o filho, e uma aproximação se tornou impossível. Mas, um gesto me manteve vivo: Aquele olhar ainda era o mesmo. Seu corpo havia mudado, como ela crescera, como estava ainda mais bonita, e ainda me olhava como antigamente. Podia sentir a pulsação do seu coração, a tremulação dos seus lábios querendo encontrar os meus. Queria dizer algo, sussurrar em seu ouvido, mas só pude vê-la se distanciar, sendo puxada pelo braço, como se aquilo fosse a herança maldita de Aquiles. Um aprisionamento dos seus desejos e a privação de poder escolher a sua real felicidade.

Lembranças que doeram por muito tempo no meu peito. Levantei a cabeça, e a casa ainda estava lá, a velha casa do sapateiro Aquiles, mas Íris não mais apareceu. Fitei a porta, a janela, olhei para o beco, nenhum sinal. Inclinei a cabeça, com os cotovelos apoiados no velho palanque, e vislumbrei o anoitecer que se aproximava. A voz insistiu.

– Tomás, vai me ajudar com o almoço ou vai continuar fingindo que está dormindo?

Abri os olhos, levantei da poltrona e pus o quadro de volta na parede. Olhei para trás e a vi se aproximar, me abraçando pelas costas.

Murmurou.

– Ainda tens aquele cheiro que nunca esqueci, daquele dia nos ciprestes.

Virei e a abracei, contemplando o olhar que me encantou desde o primeiro dia que a vi, e declarei, com os olhos apaixonados.

– Ainda és a minha menina, a luz dos meus olhos.

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